Quando a responsabilidade se torna um Fardo - Infância Roubada









Há um ditado que diz que a família verga, mas nunca acaba. A família é vista como o alicerce da união e o pilar da sociedade, e todos aspiram ter uma família perfeita, na qual todos se espelhem. No entanto, muitas vezes, verdades são encobertas em nome desse ideal.

 Recentemente, assisti alguns vídeos que despertaram em mim sentimentos profundos. O testemunho triste daquela mulher fez-me confrontar verdades encobertas que reconheci em mim, partes da minha própria essência. Suas palavras ecoaram na minha mente como meus próprios gritos. 

Isso me levou a questionar por que essas verdades são escondidas. As respostas vieram rapidamente: para preservar a estabilidade familiar, evitar ferir sensibilidades e evitar mexer no passado.

Parece contraditório, já que dizem que a verdade liberta. Mas liberta quem, afinal? Aquele que tem algo a dizer ou aquele que ouvirá?

Ao ouvir aquele testemunho, percebi que ela precisava libertar-se da energia que a aprisionava há tanto tempo, da mágoa que carregava em sua alma. Embora tenha enfrentado críticas, também recebeu elogios e foi compreendida por muitos. Sua mensagem chegou até mim como uma tesoura que cortou as âncoras dos meus pensamentos, permitindo-lhes navegar livremente ao sabor do vento…

Mas afinal, que verdade é essa?

Ser o filho mais velho é traumatizante.

Para os filhos de classes sociais baixas e médias, ser o filho mais velho acarreta uma grande responsabilidade. E se esse filho mais velho for uma mulher, a responsabilidade aumenta ainda mais.

Em Angola, é comum que os filhos mais velhos, nascidos em famílias cujos pais trabalham fora e não têm condições de contratar uma baba, assumam automaticamente a responsabilidade pela casa e pelos irmãos mais novos. É uma situação estabelecida: eles precisam/ devem ajudar os pais.

Geralmente, acredita-se que, se a criança já consegue falar, andar e ter um mínimo de independência motora, ela está capacitada para cuidar da casa e dos outros irmãos. É considerado normal deixar uma criança de 8 anos cuidando de 4 irmãos, arrumando a casa, alimentando-os e, às vezes, cozinhando para toda a família. Afinal, eles são "grandinhos" e têm a "obrigação" de ajudar os pais.

No entanto, não se trata apenas de ajudar. Os filhos mais velhos assumem, na verdade, a responsabilidade por toda a casa. Cabe a eles manter a casa limpa e arrumada, preparar as refeições para a família e garantir que tudo esteja pronto quando os pais chegarem em casa.

Também responsabilidade dos filhos mais velhos cuidar dos irmãos mais novos, dar banho, levá-los à escola e até mesmo educá-los. E se um dos irmãos aprende algo inadequado, a culpa recai sobre o irmão mais velho, como se ele não tivesse cumprido suas responsabilidades correctamente.

E aí daquele filho que não consiga atender a todas essas expectativas!

Apenas aqueles que são filhos mais velhos sabem o que é sentir o peso da mão pesada de um adulto (pais, educadores) sobre si, porque a sala está bagunçada, a louça está suja, o jantar está salgado ou os irmãos não tomaram banho.

Os pais não levam em consideração que deixaram uma criança encarregada da casa, uma criança que quer brincar, ver desenhos animados ou dormir até mais tarde.

Eles não percebem que estão a roubar a infância daquele filho, não entendem o mal que estão a causar àquela criança, que precisa tanto do cuidado deles quanto os irmãos mais novos. Ele precisa que alguém cuide dele, que alguém cozinhe para ele.

Eles simplesmente acham que ele já é "crescido" o suficiente; por isso, tem a responsabilidade de ajudar!

É triste ver que muitos pais e educadores pensam dessa maneira. Existem casos de crianças que assumem essas responsabilidades a partir dos 5 anos de idade, e os pais se sentem orgulhosos, até mesmo se vangloriam de terem filhos responsáveis que já cuidam da casa e dos irmãos mais novos.

Uma criança de 5 anos, que até ontem usava fraldas, precisa cuidar da casa e dos irmãos mais novos como se fosse um adulto. E todos acham isso normal, porque os pais não têm condições de pagar uma baba.

Eles não entendem que ao roubar a infância do filho, estão a causar danos emocionais irreparáveis naquela criança. 

A verdade é que a transformação dos filhos menores em uma rede de apoio pode ser prejudicial para a relação pais e filhos.

😶 Será correto agir assim com essas crianças? Tanto com as que cuidam quanto com as que são cuidadas? 

😶 É justo atribuir uma responsabilidade tão grande a uma criança que ainda precisa de tanto cuidado?

😶 Que tipo de relação é essa onde os pais transformam seus filhos menores em uma rede de apoio, fazendo deles cuidadores da casa e responsáveis pelos irmãos?

😶 Vale a pena ter tantos filhos e não ter como cuidar deles adequadamente?

Ficam as perguntas para nossa reflexão.

Por: Ema Rodé Gapis 

Comentários

  1. É um prazer seguir o teu blog. Obrigada pelo convite. Amei os temas.

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  2. Olá Beatriz! Obrigada por partilhar o seu comentário. O seu feedbbak é muito importante. Um Beijinho.

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